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Entrevistamos o jornalista Gianni Carta que e é correspondente em Paris e autor de diversos livros.
SendoCy: Onde você reside hoje? Há quanto tempo?
GC: Moro em Paris há dez anos. Cheguei aqui em
2004. No entanto, já tinha morado em Paris de 1990 a 1994.
SendoCy: Morou em outros países antes deste?
GC: Sim, vivi seis meses a cada ano de 1980 a 1983 em
Los Angeles, Califórnia, enquanto passava seis meses no Brasil; terminei o
colegial no Dante Alighieri, em São Paulo, e na Hamilton High School, em Los
Angeles. Depois mudei definitivamente para Los Angeles, onde trabalhei e
conclui minha primeira faculdade, a UCLA, em 1987. Mudei para Nova York, onde
fui tradutor do Wall Street Journal e
trabalhei para o semanário IstoÉ até
1990. Em 1990 a IstoÉ me transferiu
para Paris, onde fui correspondente e fiz um mestrado na sede da Boston
University. Em 1994 mudei para Londres para trabalhar para a revista mensal
européia GQ. E lá fiquei dez anos.
Trabalhei para várias empresas internacionais de comunicações e para o
semanário brasileiro CartaCapital. Em
2004 voltei para Paris com meus dois filhos, nascidos em Londres, e minha
mulher polonesa.
SendoCy: O que você pensa sobre o país onde reside?
Quais as vantagens e desvantagens com relação ao Brasil?
GC: Adoro Paris e a França. Vantagens? Cidadania.
Pago impostos e me sinto cidadão. Meus filhos estudam em escolas públicas com
nível jamais visto em escolas privadas no Brasil. O menu do almoço deles, na
cantina, é colocado na porta da escola com recomendações para pratos para o jantar.
As duas melhores amigas de minha filha são as filhas de um lixeiro e a outra de
um banqueiro. Tenho acesso a uma biblioteca nacional, François Mitterrand,
onde, via computadores, marco meu lugar para o próximo dia (ou para a data que
quero), e seleciono periódicos e livros para tais datas. Almoço, janto ou tomo
um café em qualquer esquina. O transporte público é fantástico. A opção de
cidades, através do TGV, o trem bala, é incrível: Marselha, Montpellier, Nantes
etc. Estou no centro da Europa e posso ir, via trem ou avião, para qualquer
país com facilidade, um dado importante para um cidadão ou correspondente.
Andar de moto, outro meio de locomoção meu, é um imenso prazer: os automóveis,
motos, bicicletas e pedestres respeitam as leis de trânsito. Além de adorar me
deslocar de moto, é um prazer passear ou ir a encontros de trabalho nessa
cidade exuberante. Aliás, nada melhor que uma cidade romântica como Paris para
sair com minha mulher. Voltamos de nossas escapadas a pé, ela sempre descalça.
O Sena é uma maravilha de noite. Desvantagens? Poucas. Talvez fosse legal ter
familiares para cuidar de nossos filhos durante as férias a dois. Mas eles já
estão grandes, e podemos sair, minha mulher e eu, algumas noites. De qualquer
forma, também é um prazer levá-los conosco. Ano passado passamos, a família
inteira, passar duas semanas em Nice. Fomos de trem.
SendoCy: Sente falta do Brasil? Amigos e família?
GC: Sinto falta da praia, do sol. Aqui, de setembro
a maio o céu fica cinza. Mas faço esporte—corro, nado, musculação—e trabalho. Isso
alivia o tempo feio. Vejos meus pais e irmã duas, três vezes ao ano, e falo com
eles ao telefone com frequência. Voltei ao Brasil pela primeira vez para
trabalhar em 2011. Parecia que nunca tinha saído de São Paulo. Os amigos, com
algumas exceções, também porque quando adultos mudamos, estiveram todos
presentes. Parecia que os tinha visto no dia anterior. As brincadeiras eram as
mesmas.
SendoCy: Qual é o custo de vida para um casal com 2 filhos?
GC: Para um casal de classe média, o custo de vida
em Paris não é mais elevado do que em São Paulo. Como disse acima, passamos
seis meses em São Paulo em 2011, e pensei que iria economizar. Redondo engano.
A diferença é que em Sampa você leva teus filhos para um shopping center ou um
clube, ou quem sabe para o Parque Ibirapuera. Aqui, as opções são muito mais
variadas. Os restaurantes em SP são caríssimos. Idem os apartamentos e tudo
mais.
SendoCy: É casado? De onde é sua esposa? Tem filhos?
Onde nasceram? Em que idioma se comunicam
GC: Sou casado faz 15 anos. Minha mulher é de
Cracóvia. Viveu na Espanha vários anos. Depois vivemos juntos em Londres e
agora em Paris. Meus dois filhos nasceram em Londres, mas são mais franceses do
que britânicos. Em casa, minha mulher e eu falamos em inglês. Idem quando os
filhos estão presentes. Quando não estou presente, minha mulher fala em polonês
com eles. E quando estou sozinho com os dois filhos (sem minha mulher) falamos
em francês, e às vezes em inglês.
SendoCy: Qual o maior aprendizado de viver longe do
Brasil trouxe a você?
GC: Cidadania. Quando vivi no Brasil, até 1983,
estávamos sob a ditadura dos militares e elites. Detestava o sistema, embora
tenha tido uma infância feliz. Detestava a escola, que defendia o sistema
ditatorial, mas adorava os amigos (vários deles filhos das elites favoráveis ao
sistema político), os esportes, a praia. Meu pai é italiano. Minha mãe é filha
de galego. Portanto, sempre me senti, além de brasileiro, europeu. Em casa,
desde pequeno, os almoços domingueiros eram diferentes: minha avó e tia-avó,
ambas formadas em universidades italianas (incrível para a época; minha avó era
de 1903), eram escritoras. Falavam sempre em italiano, sobre, entre outros, a
desgraça de regimes autoritários como o de Mussolini (e o do Brasil). E
discutiam, juntamente com meu pai e mãe, sobre arte, literatura, gastrononia, é
claro. Eram verdadeiras aulas universitárias. Polêmicas não escasseavam. O pai
de minha mãe falava galego quando queria falar português, caso contrário se
exprimia em espanhol. Tenho passaporte europeu. De fato, aqui na Europa sou
considerado europeu—e brasileiro no Brasil.
SendoCy: Voltaria a viver no Brasil?
GC: Nunca se sabe, mas em princípio pretendo ficar
na Europa. Quando voltei ao Brasil, em 2011, não foi legal. Meus filhos não
tinham a mesma liberdade de sair como aqui. O transporte público em SP é
péssimo. O tráfico. A violência. A ausência de uma mídia para fazer o cidadão
refletir é uma tragédia. Os despachantes, uma invenção ibérica. A arrogância
das elites. A escassez de cidadania. Mas podemos ser felizes em quase qualquer
canto do mundo. Gaza, onde estive várias vezes, é difícil ser feliz. Ainda mais
agora com o genocídio perpetrado pelos israelenses.
SendoCy: Você poderia sugerir um restaurante frequentado
pelos parisienses e um passeio fora do circuito turístico?
GC: O Les Papilles, Au Moulin à
Vent, L’A.O.C, três bistrôs fantásticos em Paris. Um bom passeio ? Aqui em
Paris tudo é manjado. Tendo tempo, seria legal viajar para Nice, Marseille,
Bayonne, Honfleur, Reims etc.
Gianni Carta & Cynthia Camargo no Café de la Paix |