sexta-feira, 20 de março de 2015

Dicas de comportamento no exterior

Li uma entrevista, para a Revista Época, com uma brasileira que vive na França, sobre um ocorrido entre ela e um outro estrangeiro.

Como estou, há tempos, com esta questão em mente, relembrei a minha própria história na França e que pode servir como dicas de comportamento para qualquer viajante.

Para desenvolver meu raciocínio sobre o comportamento, terei que voltar um pouco na história. 


Mudei-me para Paris em 1994. Sim, faz tempo. Século passado (não vale me chamar de jurássica, tá?). Naquela época não existia internet, Google, celular, e todas as facilidades de se comunicar aqui e ali. Tive que fazer toda a minha papelada através de cartas, por correio e via consular. Muita coisa evoluiu de lá pra cá, outras, porém, nem tanto....

Complicado porque você não tem o número de informações suficientes para o planejamento e tudo é feito meio na coragem e fé. Resolver imprevistos também ficava complicado, sem um aplicativo em mãos para qualquer emergência. Claro, tudo isto tinha o seu charme e aprendizado, mas limitava bem o número de pessoas dispostas a "se aventurar" (termo usado para classificar a minha decisão de ir sozinha, absolutamente sozinha, para a França, sem falar francês e sem conhecer ninguém).

Cité Universitaire



Peguei um voo noturno Londres-Paris (grau de coragem beirando a burrice) e, ao chegar ao aeroporto, peguei um táxi como se estive em São Paulo. Não tinha noção de preços e para não fazer muito volume de dinheiro, troquei apenas 100 dólares. De olho no taxímetro, comecei a ficar angustiada. Muito.

Chovia. 

Eu estava prestes a parar o motorista, pois chegaria ao limite de meu orçamento quando, finalmente, chegamos à porta da Cidade Universitária * (o que seria a minha residência nos próximos 8 meses). Não, o carro não podia entrar! Se a minha mala era de rodinhas? Claro, que não! 

Primeiro golpe de sorte do crédito de toda sorte do mundo que me foi concedida: O taxista resolveu descer do carro e carregar a minha mala na chuva, no escuro, dentro da universidade e perguntar, por lá, onde exatamente se encontrava o prédio brasileiro, a Maison du Brèsil.

A entrada é ali na letra T. Só teria que encontrar o prédio (dentre os 40) aí dentro e caminhar com uma mala no escuro e na chuva! A Maison du Brésil é a última à esquerda ao lado da quadra de tênis.


Por volta de 500 metros a pé depois, chegamos. Depois de muita vergonha, alívio, tensão e desconforto, além de muito frio e fome, o valor da corrida havia sido uns 80 dólares. Claro que ele me cobrou para carregar a mala lá dentro, o que me custou exatamente tudo o que eu tinha em francos franceses. Paguei com gosto.

*Cité Universitaire Internationale



Curiosamente, a Cité Internationale foi construída com o intuito de ser um símbolo da paz entre os povos!

Inaugurada, em 1925, em um espaço de 34 hectares com 40 edifícios que oferecem 5 mil quartos abrigando em torno de 12.000 estudantes e pesquisadores de 140 nacionalidades.

Cada edifício tem seu próprio estilo arquitetônico de acordo com o país que representa, tornando-se um local único pela diversidade de estilos todos juntos.



Um destes 40 edifícios é o Centre Franco-Bresilenne ou Maison du Brésil, classificado como patrimônio histórico. Projeto assinado por Le Corbusier e Lucio Costa, em 1959, abriga pesquisadores e bacharéis, além de ter sido residência temporária de nomes como Joaquim Pedro de Andrade, Jaime Lerner, Zuenir Ventura, Sebastião Salgado, Arthur Moreira Lima, Zózimo Barroso do Amaral, Antonio Abujamra, Francisco Rezek, Maria Manuela Carneiro da Cunha, Cynthia Camargo (euzinha) entre outros.



Na recepção perguntei se faziam câmbio... A senhora me contemplou com um olhar que insinuava que ali não era hotel e ela não era  concierge. Então expliquei que queria trocar dinheiro para poder comer alguma coisa e ela, sem paciência, me deu uma moeda para tomar um chocolate quente da máquina que havia ali. Claro, lei de Murphy, a máquina engoliu a moeda. Molhada da chuva, fui para o meu quarto tomar banho. Surpresa!!!!: Cadê a toalha? Somente lençóis na cama. Nada de toalha...

Sim, me sequei com uma toalha de mão que levava na bolsa.

Voltei à recepção para telefonar, do orelhão, para a minha casa avisando que havia chegado "bem". Sim, eu estava vulnerável, ainda estressada com a sequência de burrices que havia cometido, cansada, com fome.

Conto em detalhes minha chegada, nada triunfal, em Paris para explicar como eu estava vulnerável e porque não pensei duas vezes e cometi o erro de não prestar atenção em algumas regras de comportamento.

Foi então que Kader se aproximou. Era um argelino, vestido com um roupão de banho (?). Calçava meias. Falava um inglês com um sotaque árabe, extremamente carregado, e eu compreendia mais sua mímica do que a sua fala. Entendi que ele estava no mesmo andar queria me convidar para jantar. Claro, ele assistiu à minha chegada molhada, a tentativa da moeda...E, principalmente, viu uma lágrima correr ao desligar o telefone com minha mãe.

Em cada andar (dos cinco existentes) na Maison du Brèsil, há o WC e uma cozinha coletiva. No quarto, somente um chuveiro e pia. 

Aceitei o convite grata por, enfim, comer alguma coisa. Na cozinha, ele me serviu salsichas ao sugo. Estava morta de fome e não parava de agradecer ao sujeito. Ele me explicou que na cozinha cada um usava seus próprios utensílios e eu teria que comprar, ao menos, um prato, talheres, copo e uma panelinha para cozinhar e é claro,uma toalha de banho.

Ele se ofereceu para me levar, no dia seguinte, trocar o dinheiro e me ensinar a chegar até a Aliança Francesa, onde minhas aulas já haviam começado. Aceitei a ajuda. Realmente, naquele momento, com total inocência e uma ingenuidade, novamente, beirando a burrice.


Na saída da aula Kader me aguardava e me levou para comprar utensílios domésticos. Claro que ficamos amigos e eu encarava tudo isto com muita simpatia. Com o tempo, passei a achar incômodo ele me telefonar perguntando se eu precisava de algo e, às vezes, aparecer na porta da escola para me buscar... Mas como eu tinha aquele sentimento de gratidão, me sentia em dívida com o rapaz e me obrigava a ser sempre simpática.

Houve uma ocasião, porém, em que eu estava saindo com uma amiga para uma festa na Maison da Alemanha, dentro da Cidade Universitária, quando ele me abordou com um semblante sério me dizendo que eu não deveria ir a tal festa já que haveria "homens".

Pela primeira vez fiquei irritada. O que seria uma conversa tornou-se o que mais parecia ser uma discussão de um casal de namorados. Ele então começou a falar em árabe e de repente, fiquei assustada.  

Após algumas tentativas dele em me perseguir, sempre falando em árabe, acabou desistindo, já que eu havia avisado a todo o pessoal de meu andar, na cozinha, sobre o que estava acontecendo. Uma das brasileiras que morava lá (seu marido era bolsista de matemática) foi conversar com a diretoria do edifício e Kader foi advertido. Ele, então, decidiu mudar-se pra outro edifício.

Ainda assim, posso dizer que a questão com o Kader foi "quase" uma exceção. Adoro a diversidade de culturas e fiz grandes amizades, aprendendo e me divertindo, profundamente, sem critérios, julgamentos ou condenações de qualquer espécie entre mim e os outros. 

Os três mosqueteiros que viviam comigo. Pela ordem, Stephan (alemão, guia de acampamento na França para alemães), Marc (inglês - vivia do salário desemprego) e Dino (Italiano, jornalista que escrevia sobre a máfia italiana no Corriere della Sera). - Foto tirando sarro de como eu andava por Paris: Sim, "redecola", com chapeuzinho e um guarda-chuva quebrado como se pode ver.
Na mesma mesa Brasil, Alemanha, Argentina, Grã Bretanha, Hong Kong, Coréia, Itália, USA e Japão. A.D.O.R.O.!!!!

A questão com o Kader teria sido a única se não fosse uma segunda questão de interpretação com africanas dentro do metrô.

Fui para a Europa com pouca roupa. Eu tinha apenas uma roupa mais "ajeitadinha" que usei na missa de sétimo dia do Ayrton Sena**. Fora este traje mais ajeitado, eu havia comprado um jeans  e um blazer quando estive em Londres.

Pois bem, meu amigo londrino me telefona dizendo que estava em Paris para assistir a um musical e me convidou para ir junto.
"- Oba!", pensei! "Vou usar a minha calça nova!"

Em uma determinada estação do metrô, estava sentadinha (eu e meu jeans sensacional) quando 5 mulheres entraram no trem. Duas delas se sentaram à minha frente e entre elas uma menininha de uns 5 anos. Outra, sentou-se ao meu lado e duas outras ficaram em pé. Durante o trajeto, a menininha de 5 anos começou a me chutar de leve, batendo a sola do sapato em minha calça - #Minhacalça sensacionalenovinhamadeinEnglandnão!

Tentei relevar, afinal, criança e tal! Mas era a minha calça novinha e #nãosounemumpoucofãdecriança. Então, olhei feio para ela!! Não adiantou nada. Pior. Começou a raspar seu sapato em minha calça, ainda mais. Decidi então me mudar de lugar, porém quando tentei me levantar, a moça que estava ao meu lado colocou sua mão sob a minha coxa para que eu não me levantasse. Resolvi obedecer! Meu coração disparou.

Eu podia ter saído desta? Talvez. Quando elas desceram do trem, eu vi que era também a estação que eu deveria descer. Desci, novamente, confundindo coragem com burrice. O que aconteceu? Levei uma surra com direito a murro no nariz, soco na cabeça e me jogaram no chão. Sorte a minha o pessoal do outro lado da estação ter chamado os policiais que salvaram o que restou de mim. Conseguiram pegar 2 meninas. Explicaram-me que eu teria que prestar depoimento na delegacia. Fui até a porta do teatro avisar meu amigo londrino que eu não poderia ir ao musical com ele. Ao ver-me com sangue no nariz, olhos pretos do rímel borrado, toda suja e ainda com dois policiais me acompanhando, achou, por bem, vir comigo à delegacia. As meninas eram imigrantes africanas, menores de idade e o delegado mandou telefonar para os pais delas. 

Imagino que elas possam ter entendido que eu olhei feio e que quis sair de perto delas, no trem, porque eram negras. Claro, para mim estava mais do que evidente que eu estava olhando feio para o comportamento da criança, mas... Eu não deveria ter olhado feio para a menininha...

Aprendi então duas coisas básicas:

Evitar qualquer contato visual nas ruas, metrô, ônibus, elevadores...
Não aceitar nenhum tipo de gentileza... No, thanks! Non, merci!

eu, Paulo e Mitico depois da aula


Espontaneidade demais é burrice! As pessoas têm os seus próprios códigos de acordo com a sua raça, religião, nacionalidade e que devemos respeitar e conhecer, na medida do possível. Hoje em dia é muito mais fácil, basta acessar o Google e buscar toda sorte de blogs de brasileiros que vivem no exterior e que contam em detalhes os códigos de cada região.

** Fui passar um final de semana na Suiça, em casa de amigos, quando Ayrton Sena morreu. No dia seguinte, dentro do trem, de volta a Paris, o fiscal de fronteiras pediu meu passaporte e ao ver que eu era brasileira me deu suas condolências pela morte do piloto. Claro, todos no trem olharam para mim e acenaram com um gesto solidário. Me senti uma viúva! Fiquei emocionada! Ao chegar na Maison du Brèsil, estavam todos combinando de ir à missa. Aproveitei para usar o meu "único" look do dia. 

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Um comentário:

  1. Nossa, que loucura essas duas saias justas (para falar o mínimo, porque qualquer tipo de violência é grave). Essas questões culturais são mesmo muito delicadas e temos que tomar cuidado, especialmente porque nós brasileiros somos muito espontâneos. Nunca morei fora mas tenho muitos amigos estrangeiros e procuro perceber as nossas diferenças. Sempre que posso viajo para algum lugar novo, com cultura diversa da minha, mas procuro sempre tomar cuidado, me manter discreta, comedida e principalmente observar.

    Obrigada por compartilhar suas histórias.

    Ana

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