Este Diário de Bordo, sobre o meu Caminho de Santiago, fala somente das emoções que percorreram meu corpo e meu coração durante esta jornada mágica!! De um intenso mau humor no primeiro dia à plenitude da chegada!
Trata-se de trechos de cartas que escrevi para uma amiga, durante o meu percurso, descrevendo o meu dia a dia e minhas sensações do início ao fim de meu trajeto.
Trata-se de trechos de cartas que escrevi para uma amiga, durante o meu percurso, descrevendo o meu dia a dia e minhas sensações do início ao fim de meu trajeto.
Pirineus
Querida Tid,
Bom, estou indo para Saint-Jean-Pied-de-Port. Minha mochila está um pouco pesada, mas não sei porque, uma vez que não estou levando nada! Passei na igreja, enchi meu cantil de Água Benta e acendi uma vela bem grande!
Deixei minhas coisas na Leila e o fui para a estação. A partir de agora, deixo tudo e fico comigo mesma! Não sei ainda como estou me sentindo, não fiquei me preparando, nem caí em mim ainda sobre o que estou fazendo e para onde estou indo. Melhor assim, sem esperar nada.
Já estou começando a me divertir no trem, observando as pessoas. Ao meu lado, duas naturalistas desenhando a fauna e flora do caminho, apesar de estarmos a 350 km por hora! Bem ao meu lado, sentou-se um "boy", do tipo, "eu sou o máximo"!
No carro restaurante, onde estive para um café, havia uma francesa tendo um chilique com o marido e uma espanhola discutindo, com o caixa da lanchonete, porque ela pagou em pesetas e ele deu o troco em francos e não queria aceitar e blá blá blá....
SAINT-JEAN-PIED-DE-PORT
Ai Tid, você não vai acreditar, mas assim que eu coloquei o pé para fora do trem, raios e trovões terríveis começaram! Pensei em você na mesma hora! Pedi então a Santa Bárbara que esperasse eu encontrar um abrigo. Cheguei às 22h00 e a Madame Debrill já havia fechado seu escritório.
Pois não é que Santa Bárbara esperou, pois quando eu coloquei o pé dentro deste hotel, o mundo caiu! Acabou a luz, vendaval, igualzinho quando assinei o contrato com o Ibsen. Tid, foi incrível. Achei um bom sinal, assim como o número do quarto, 11!
Saint-Jean-Pied-de-Port |
Já me acostumei um pouco com a mochila, pois tive que andar uns 2 km até achar este hotel.
(...)
Ai Tidinha, você não imagina... Acordei toda animada e fui ver a famosa Madame Debrill. A madame é uma gracinha, carimbou meu passaporte e me disse que eu não deveria ir pela montanha, pois o tempo estava feio. Depois, me disse para comprar comida e no final chegou um amigo dela que me ofereceu uma carona até Roncesvalles (onde eu termino a primeira etapa). Neguei tudo e fui pela montanha com o céu preto.
Desde o primeiro passo, uma subida inacreditável. Comecei a chorar de emoção por estar começando o Caminho de Santiago de Compostela. Uauuuuuuuuuuuuuu!!
A cada hora, eu parava, tomava água, fumava um cigarro e meu ânimo, depois de 3 horas só de subida, terra e vacas começou a declinar... Logo encontrei um casal de brasileiros e íamos nos encontrando de tempos em tempos, até que eles gritaram que eu estava no caminho errado. Ainda bem que me salvaram, pois comecei a sentir muita fome e eles me deram cascas de pão, cascas de amendoim e um torrão de açúcar.
Começou a chover forte e a neblina cobriu toda a paisagem. Era tenebroso. A gente cruzava apenas com porcos, vacas, ovelhas e cavalos andando no mesmo caminho que o nosso. Eu estava ensopada, mal humorada, irritada, cansada e esgotada.
Logo, um senhor espanhol juntou-se a nós e eu comecei a sentir vergonha da minha falta de disposição, comparada ao grande entusiasmo e força dele. Era a quinta vez que ele fazia o caminho e nos disse que esta primeira etapa é a mais difícil de todas, a mais terrível e que, por isto, 99% das pessoas iniciavam o Caminho de Santiago, a partir da segunda etapa (Roncesvalles).
Estava explicado porque apenas eu e o casal de brasileiros estávamos em meio aos Pirineus! Que legal!
Tid, eu estava no meio do nada, um frio cortante nas montanhas, neblina, chuva, fome, sede e eu não tinha para onde correr... Não tinha como voltar (eu nem saberia), não sabia pegar a estrada para buscar ajuda e se parássemos, morreríamos de frio... Às 18 horas, começamos nossa descida montanha abaixo e, para que o peso de minha mochila não me derrubasse, ia me segurando com as pontas dos pés. Assim, estourei meus joelhos.
Comecei a sentir um desespero enorme e a chorar brigando com Deus e comigo por ter me colocado naquela situação ridícula e tão dolorida. Uma hora e pouco depois de descida, finalmente, entrei na aldeia, sentei-me num bar e comi pão duro com coca-cola. Esqueci-me de te dizer que, horas depois que comecei a caminhada, eu perdi meu maço de cigarro para completar o meu desespero....Comprei no bar e fumei 3 de uma vez!.
Fui para o albergue e lá descobri que estava lotado, apesar de não ter cruzado com ninguém na travessia dos Pirineus, só me restou o chão frio. Para completar, o banho era frio, congelante e apesar da sujeira e suor, não consegui lavar o cabelo.
Quase não dormi e quase não consegui me levantar. Tudo dói, até a alma.
A roupa que usei ontem ainda está molhada de suor e me levantei por último. Não sei ainda o que pensar, eu não curti nada até agora, estou detestando tudo. Nenhuma parte do caminho é plano, só subidas e terra.
Como saí mais tarde do albergue, quando cheguei ao único bar da cidade, o pão havia acabado. Não existia caixa eletrônico, eu só tinha francos e eles só aceitam pesetas.
Perguntei sobre a rodoviária, pois havia desistido de tudo, mas me disseram que lá não havia nenhuma, apenas um ônibus que passava dia sim, dia não. Pedi carona, aos guardas florestais, até Pamplona, que é uma cidade maior, mas eles me disseram que era proibido.
Enfim, comecei a caminhada, andei uns 4 km até aqui e parei para chorar um pouco porque sinto dor até para respirar...
Em conversa com outros peregrinos, ninguém acreditava que eu havia sido louca o suficiente para atravessar os Pirineus e me perguntaram se eu havia me encontrado com os "demônios"... Ai que coisa mais chata!
Ai Tid, que decepção! Que vontade de desistir e ir embora. ... Não estou preparada para isto!
Quando, finalmente, cheguei em Pamplona, o albergue estava lotado e não dava nem para ficar no chão. Corri atrás de um hotel de verdade e me hospedei. Tomei banho quente de banheira, lavei minhas roupas, lavei meu cabelo, dormi bastante, a tarde toda.
No final do dia, voltei ao albergue para carimbar meu passaporte de peregrina. Fiquei quase 1 hora reclamando para o hospedeiro, contando todas as minhas mazelas. Ele me serviu uma bebida, típica da região de Navarra e, sorrindo, me perguntou se eu tinha muitas bolhas, ao que eu respondi que nenhuma.
Então ele me disse: -"Bendita és tu! Abençoada que não tem nenhuma bolha!!" Fez o sinal da cruz em mim e me senti uma santa!
Fui à missa e não parei de chorar. Aliás, não parei de chorar ainda... Desde Paris!!
Apesar de ter curtido meu passeio pelas ruas da cidade, confesso que bateu uma solidão muito forte! Todo mundo andava pelas ruas com alguma intenção ou direção, indo até alguém, indo com alguém, falando com alguém.... Me senti terrivelmente sozinha.
A cada hora, os sinos das igrejas da cidade tocavam e na hora da missa, tocavam mais vezes e mais forte. Adorei ouvir e, como adoro sinos, tenho certeza de que esta lembrança guardarei para sempre. Comi tortilhas (a única coisa que eu como) e voltei para o hotel. Muito agradável, por sinal!
Acordei disposta e saí às 7h30, mas não antes de abrir as janelas e avistar TODOS os sinos que tocavam avisando da primeira missa do dia! Lindo! Emocionante! Inesquecível!
Parei numa padaria para um café. Todas as padarias tem jogos, tipo caça-níquel, e um som tipo batida eletrônica bem alto. Não combina com os povoados, não combina com a Espanha, não combina com o Caminho de Santiago e nem com o pessoal que frequenta as padarias... Nada a ver mesmo!!
Iniciei minha caminhada atravessando toda a cidade de Pamplona e me deu vontade de ficar mais um dia... Achei encantadora! Vi muitos cartazes falando sobre uma festa.
Montanhas, morros, barrancos...E, claro, cheguei chorado ao albergue de Ponte de la Reina. Tomei banho quente e ganhei um colchão. Na verdade, não é uma cidade e sim um pequeno povoado, não tem nada. Deitei na grama e fiquei lendo meu guia do Caminho, sobre o povoado onde eu estava, sobre quantos km eu havia percorrido, de onde eu tinha vindo e para onde eu ia...
Puente de la Reina |
Parei por alguns instantes olhando para céu e, antes de me bater aquela terrível solidão, saí para comer um doce na única padaria que havia...
Dormi muito bem. O colchão se tornou artigo de luxo para mim. Saí bem cedinho, às 6h30, e cheguei à cidade de Estella, depois de 20 km de trancos e barrancos. A cidade está em festa e eu também, pois encontrei uma cama no albergue!! Todo mundo está usando um lenço vermelho no pescoço... Parece animado!
Estella - Espanha |
Nos albergues, basta mostrar o passaporte de peregrino para que eles carimbem (ou atestem o passo, como dizem) e então podemos ficar por uma noite.
Normalmente, chegamos ao meio da tarde, tomamos banho, lavamos as roupas (calcinha, meias, camiseta), procuramos por um restaurante ou supermercado para preparar algo no albergue e depois eles trancam as portas e apagam as luzes, entre 21h e 22h e quem ficar de fora, ficou!
No dia seguinte temos até às 8h00 para sair para que limpem e arrumem tudo para os que estão chegando. Sim deixamos gorjetas.
Passei o resto do dia deitada na grama e dormi...
Peregrina Caminho de Santiago |
"....Ai Tid, que mau humor...! Minha mochila está com 12 quilos e vou tentar mandar coisas para Paris pelo correio, porém eu não tenho quase nada!
Eu estive conversando com um peregrino que está tentando fazer o Caminho pela terceira vez e nunca conseguiu terminar. Ele me disse que o Caminho de Santiago começa quando se toma a decisão e a forma e quando vamos chegar à Santiago de Compostela é o Caminho de cada um de nós, ou seja, é o que temos que passar!
(.........)
Hoje, fui ao correio e despachei um quilo de volta a Paris e deixei no albergue duas camisetas e meus remédios, tipo Dorflex, Novalgina... Fiquei a zero!
Mesmo assim, ainda tenho que me livrar de mais coisas. Só o saco de dormir e a própria mochila já pesam 3, 5 quilos. O casaco também pesa bastante. Eu deveria estar carregando somente 5 quilos, mas é impossível!!!!!
Bem, ontem jantei com um pessoal que está percorrendo O Caminho de Santiago de bicicleta. São 11 dias. Estou tentando me desligar de tudo, sem pensar em trabalho e em nada da minha vida. Minha vida é aqui!
Tid, achei gozado e esqueci de te falar sobre algumas questões que achei meio mágicas por aqui: No primeiro dia, nos Pirineus, antes de perder os maços de cigarro, eu pensei assim: "Preciso largar esta porcaria"... E então os cigarros sumiram!!
Em Pamplona, eu estava andando de volta ao hotel quando senti uma enorme vontade de comer pipoca e, em questão de segundos, encontro um pipoqueiro!!
Ontem, eu estava com muita vontade de comer Mc Donalds e à noite, quando cheguei a Burgos, uma cidade grande onde se entra pela rodovia, havia um outdoor enorme do Mc!! Sei lá, não é nada demais...Mas achei curioso!!
No mais, eu só consigo comer tortilhas e já estou enjoada (batata com omelete)! Teve um dia que comi duas salsichas e fiquei mal da barriga!
Bem, os peregrinos são, em sua grande maioria, jovens espanhóis atrás de aventura.
Eu estou andando de shorts e camiseta regata sem me depilar!! Não carrego xampu comigo, somente um pedaço de sabonete e também não tenho escova de cabelo e nem pente. Saio do banho e faço como os cachorros e tá tudo certo!!
Minha toalha de banho é, na verdade, uma toalha de rosto e a penduro com as meias do lado de fora da mochila, com pregador de roupa! Tenho um pedaço de sabão para lavar minhas meias e calcinhas.
Sinceramente? É como andar pelada na rua, rsrsrs!
Na verdade, eu só penso em seguir em frente e em minhas limitações físicas e emocionais para tal. O resto não tem a menor importância.
Minha coluna está doendo muito por causa do peso da mochila. Já mandei de volta, até mesmo, a minha pequena Bíblia e não posso me desfazer do casaco porque é emprestado de uma amiga.
Caminho de Santiago |
Estou te escrevendo menos porque tenho escrito muito para minha mãe, mas posso te dizer que quase todas as aldeias que passo são medievais e não tem quase nada e quase ninguém. São lindas, assim como tudo no Caminho. Creio que seja de grande consolo esta beleza toda, por conta do que sofremos fisicamente.
Ontem passei em meio a um campo imenso de girassóis e me senti parte integrante. Fascinante, incrível! Inesquecível.
Sabe que eu não gosto do idioma, mas meus pensamentos já são em espanhol, mesmo quando rezo já é em espanhol ou castelhano, como dizem aqui, e quando encontrei uns franceses minha língua travou!
Vou tentar, nesta segunda etapa, largar meu walkman para ouvir os sons do Caminho e largar o cigarro! Está me fazendo muito mal! Ainda bem que cortei meu cabelo bem curto, senão seria mais um peso para carregar...
Estou agora na cidade de Astorga e nada como passear ao sol comendo um pêssego! Eu não penso em nada...É uma delícia. Eu estou aqui e agora! Só.
A cidade é linda e estou hospedada na casa de noviças, uma vez que, pra variar, fui a última a chegar e o albergue lotou! Já não é mais novidade para mim! A casa delas é muito gostosa e estou num quarto só para mim! Estranho, pois sinto muita solidão. Prefiro dormir com todo mundo! Ouvir os roncos me traz calor humano!! rsrs.
Visitei a catedral daqui e chorei muito pedindo a Santiago que me ajudasse a cumprir o percurso. Apesar de estar contente em estar aqui, eu sinto muitas dores no corpo. Tudo dói, Tid, tudo! Meus joelhos estão em frangalhos! Quando abro a mochila, e a tiro do meu corpo, minha coluna parece que chora!! Meus pés latejam o tempo todo e quando acordo eu tenho a sensação de que não vou conseguir me mexer.
(...)
Hoje percorri 20 km em 5 horas e foi uma etapa feliz! Curti muito a paisagem, passei por campos dourados de trigo, parei em um bar no meio de um povoado, onde as casas eram de palha e o dono do bar havia vivido em São Paulo!!
Na entrada da cidade de Rabanal del Camino fui recepcionada por centenas de borboletas brancas e estou num albergue inglês. A cidade tem um quarteirão e estou deitada na varanda com um quarentão espanhol que está lendo um livro chamado "O Caminho do Desapego"! Ele é bem o seu tipo amiga.
Saí para jantar no único bar do povoado e estavam assistindo a uma tourada na TV. Virei de costas para todos e comi virada para a parede! Não consigo respeitar este tipo de "cultura" que desrespeita, humilha e mata um touro! Tenho horror! Eles adoram. Passa na TV de todos os bares! Um show de horror! Vou dormir!
Albergue em Rabanal del Camino |
(....)
Tid, estou na cidade de Melide e muita coisa aconteceu desde o meu último relato.
Saí de Rabanal del Camino, com um grupo, às 5h30hs com uma lua cheia, bem amarela e gigante. Fomos caminhando no meio do mato com lanternas e me senti totalmente integrada ao Caminho e ao grupo. Fizemos 27 km juntos e cantando.
Passamos por um povoado e o padre, quando nos avistou (ele não era bem padre, ele se dizia um templário. O nome dele era Tomás), disparou um sino e nos recebeu com uma mesa maravilhosa de café da manhã ao som de cantos gregorianos. (!!!)
O lugar parece um cenário de filme...Uma casa em meio a estrada...Não sei explicar...O homem vive ali, oferecendo café da manhã, todos os dias... Por sinal estava bem razoável..!Sei lá, tudo muito esquisito.
Na saída, eu tropecei no cadarço do meu sapato e, com o peso da mochila, não consegui me equilibrar, caindo de cara no asfalto e cortando o meu supercílio.
O pessoal correu para me tirar daquela situação pois, com o peso da mochila, eu não conseguia sair do lugar. Quando eu vi aquele monte de cabeças e uma japonesa dizendo: -"Hay sangre!!!!", tive um ataque de riso! Então, preocupados, começaram a me perguntar se eu estava bem, se eu podia contar os dedos das mãos deles, qual era o meu nome...E eu ria mais ainda.
Me fizeram um curativo e seguimos em frente! Claro, fui ficando para trás e quando entrei na cidade, todos já sabiam do meu acidente e acenavam para mim gritando: "-E ai brasileira???" Me senti "quase" uma celebridade! O que faz a carência afetiva....
Acidentes no Caminho de Santiago |
O rapaz que fez o curativo na minha cabeça já estava na cidade quando eu cheguei e fui almoçar com ele e mais um pessoal.
Ele me chamava de "robocop", pelo jeito todo duro que ando, por causa das minhas dores. O nome dele é Patxi e ele é de Navarra!
Fomos deitar à beira de um rio, mas larguei o grupo para cuidar de uma cachorrinha que estava muito mal.
Uma belga se aliou a mim. Demos um nome à cachorrinha, Serena. Fiz um escândalo no parque para chamar a atenção das pessoas para que ajudassem.
Finalmente, um rapaz arrumou uma perua e levou Serena para uma cidade próxima, onde havia um veterinário. A belga gritava que negar ajuda a um animal no país dela era crime!
Transcrevo aqui uma parte do diário do bordo de Patxi, o navarro:
"La tarde la paso en la orilla del río. Hay una zona arbolada, con jardín, columpios y otros aparatos para que jueguen los niños. Debajo del puente han preparado una especie de piscina. Me gustaría bañarme pero el agua está muy fría. En un riachuelo cercano (una especie de acequia de desagüe del río) aprovecho para escribir un par de postales y, de paso, relajar los pies. Presas de la envidia enseguida se acercan Javi, Yasko y Cynthia.
Me sorprende la brasileña. Es de Sao Paulo. Domina varios idiomas: inglés, francés, español, portugués y creo que también italiano. Tiene una agencia de viajes. Anteriormente trabajó de relaciones públicas en el Moulin Rouge de París. Ha escrito una guía de la capital francesa. Mientras estábamos paseando, ella se ha entretenido intentando recuperar a un perro que estaba destrozado. Lo acariciaba, le daba de comer e incluso le transmitía energía para curarlo."
Na volta ao albergue, o hospitaleiro (nome dado aos voluntários que tomam conta do local) me ofereceu uma massagem, devido ao tombo que tomei. Ele me disse que eu sentiria as dores no dia seguinte ao tombo.
(....)
Peregrina |
No dia seguinte, resolvi sair, ainda mais cedo, com um grupo meio neurótico, que queria sempre ser o primeiro a chegar...Enfim, tentei...Mas o sol começou a ficar tão quente, tão quente, que decidi entrar num riacho e lá fiquei...Refrescou um pouco, mas tive que percorrer a outra metade da etapa e quando cheguei ao albergue da aldeia de Villafranca eu nem tinha mais voz.
Foi então que soube que não havia mais lugar para mim (novidade). Tive um ataque de nervos e comecei a chorar (novidade).
O navarro, Patxi, logo veio me acudir. Me carregou nos braços para um outro albergue e lá fui recepcionada com muito carinho. O dono fez massagens nas minhas pernas, enquanto Patxi não largava da minha mão. Eu estava mais pra lá do que pra cá!
O dono do albergue me carregou para um estábulo e, somente mais tarde, fiquei sabendo que este senhor do albergue é um dos mais famosos do Caminho de Santiago, Jesus Jato, que dedica sua vida a prestar apoio aos peregrinos.
Aqui, mais um trecho do diário de bordo de Patxi:
".....Tras hacer la colada, me dispongo a salir hacia el pueblo, donde he quedado con Javi para comer, cuando se presenta la brasileña. Viene reventada. Le ayudo a descolgar la mochila. Cuando entra en recepción se oyen gritos. No hay sitio en el refugio, así que tiene que buscar otro alojamiento. La pobre está desencajada y no cesa de llorar.
La acompaño al cercano albergue del Jato. Aquí, sí se puede quedar. Está agotada. Se tumba en una especie de camilla y le masajean las piernas. Voy al bar a por una coca cola para que se refresque. Cuando se tranquiliza le acompaño al gallinero. No dispone de literas, sólo unos colchones en el suelo. Cynthia quiere descansar. Le prometo que después de comer iremos a visitarla.
Visitamos a la brasileña. Le hemos comprado helado y la chica agradece el detalle. Se encuentra mucho mejor. Javi se marcha enseguida y permanezco un rato con la moza. Es una mujer encantadora"
Quando eu me senti melhor, levantei para tomar um banho e sai para jantar com toda a turma.
Peregrinos em Villafranca |
Patxi então, na volta ao albergue, me contou de sua vida e da promessa que tinha de chegar no dia certo a Santiago de Compostela. Sua filha havia ficado muito doente e foi curada! E ele estava ali cumprindo sua promessa. Conversamos tanto que o albergue dele fechou e ele ficou pra fora! Dormiu no galinheiro onde eu estava hospedada!
Às 5 da manhã, Patxi veio me acordar. Expliquei que estava cansada demais para atravessar uma montanha, apesar do dono do albergue, o sr. Jesus Jato, levar todas as mochilas de carro até O Cebreiro, que ficava no topo da montanha (Ele faz isto todos os dias para ajudar na mais dura etapa do caminho).
Eu disse a ele que eu não iria.
Ela me agarrou pela nuca e me perguntou: - "Tu és una niña ou una mujer?" Me disse ainda, que 3 bolhas no pé e um corte na cabeça não poderiam me derrotar e que ele me levaria nos ombros se fosse preciso e assim foi. Me colocou nos ombros e, como se eu fosse um saco de batatas, desceu as escadas do estábulo.
Andamos 15 km em silêncio. Eu apenas observava nossas sombras no asfalto, até chegarmos ao pé da montanha. Um cachorro nos acompanhou nesta primeira etapa. Nas paradas, Patxi cuidava dos meus pés e eu cuidava dos dele.
Eu preciso dizer que o Patxi não tinha um sapato especial. Ele usava uma conga velha.
Ele tinha uma ferida, ao lado da canela, que estava aberta e saindo pus. Em cada aldeia, ele procurava por uma farmácia, refazia o curativo e tomava uma injeção de antibiótico, mas a medida que andava, a ferida começava a sangrar e drenar pus novamente...
A paisagem era divina. Passávamos em meio a bois (meio mesmo, eu nem respirava enquanto o corpo deles roçavam no meu) e carneiros e em algumas fontes molhávamos nossos lenços para passar no corpo.
Eu, exagerada, enfiava a minha cabeça inteira dentro dos poços...A sensação era ótima.
Depois de 15 km, de uma subida íngreme, chegamos à Vila Cebreiro.
O Cebreiro |
No dia seguinte, saímos mais tarde e, percebi, eu não conseguia acompanhar o Patxi, mesmo ele tendo abandonado o grupo para ir mais devagar comigo.
Depois de 5 km, pedi para conversarmos. Eu disse que ele tinha uma data certa para chegar a Santiago de Compostela, eu não. Não era justo, pois ele andava muito rápido. Além disto, eu estava com uma certa dor de barriga...
Expliquei a situação a ele, mas ele me abraçava e dizia que não ia me deixar sozinha... Com lágrimas nos olhos, ele aceitou e se foi. Marcamos um encontro em Santiago, pois ele iria esperar minha chegada.
Transcrevo aqui uma parte do diário de bordo dele:
"En la aldea de Liñares, Cynthia se para. Quiere hablar conmigo. Me pide que la deje continuar sola, ya que, según ella, no hace más que ralentizar mi ritmo. Dos besos de despedida y continúo en solitario. Me hubiese gustado seguir con esta chica. Es todo cariño, comprensión, amabilidad y delicadeza. Siempre sonriente y contagiando su buen humor. No quiero mirar hacia atrás porque no las tengo todas conmigo. Alguna lágrima resbala por mis mejillas".
Obviamente, passei o resto da caminhada chorando.
Fiquei muito triste. Depois de 25 km, cheguei a uma cidade antes da que Patxi iria ficar. Eu parei em Triacastela e ele andou mais 10 km até, Samos, porque o albergue de lá é um mosteiro. Bem que eu gostaria de ter ido, mas eu estava com muita dor de barriga.
No meio da madrugada, comecei a vomitar no dormitório onde TODOS dormiam. Desmaiei e acordei dentro de uma ambulância (mico?? micão!!). Um espanhol estava me acompanhando e vi que ele havia trazido minha mochila...Eu sentia muita sede.
No hospital da cidade de Lugo, a 40 km de onde estávamos, eles furaram meus braços, fiz xixi com sonda, tomei litros de soro (3), fizeram hemocultura e passei a noite em observação.
No dia seguinte, a médica veio falar comigo. Me disse que éramos uma cambada de loucos e pediu que eu me olhasse no espelho. Parece que se entra num transe onde nada mais importa a não ser seguir em frente! A médica tinha razão! Eu estava arrebentada!! Olhei-me no espelho e estava irreconhecível.
Um francês e outros peregrinos saíram da rota apenas para trazer meu cajado, que havia ficado no albergue. Alguns ligaram, pelo celular, para um amigo que estava com Patxi, para dar uma satisfação, caso eu não chegasse em Santiago na data prevista.
Sobre o francês, que levou o meu cajado ao hospital, preciso contar a lição que ele me deu:
Na noite em que cheguei a Triacastela, já com muita dor de barriga, ele indagou se alguém tinha um pedaço de sabão para emprestar. Eu tinha, mas fiquei com preguiça de ter que tirar tudo da mochila, pois era o último item. Fiquei quieta para ver se alguém emprestava para ele.
Logo, alguém se dispôs a emprestar e me senti aliviada.
Pois bem, ele desviou-se 40 km da rota e foi a pé levar o meu cajado, até o hospital (vergonha de mim mesma e grande lição).
Permaneci dois dias em Lugo, para me recuperar, e pegamos um ônibus de volta ao Caminho.
O espanhol que me acompanhou estava decidido a desistir. Contou-me que ele nunca havia saído de Madri e me achava uma "heroína" por estar sozinha, tão longe de casa e que sentia vergonha da fraqueza dele, ante a minha coragem. (???).
Mesmo assim, concordara com a médica sobre o que estávamos fazendo, não havia sentido algum.
Tá certo que passamos por paisagens magníficas, campos de girassóis, andamos em meio a bois, que nos olham como se fizéssemos parte daquela paisagem, sentimos aromas nunca antes experimentados, assim como sensações únicas e indescritíveis, dividindo um pão com pessoas de todos os cantos do mundo. Mas, o preço disto, ele dizia, era muito alto. Alto demais.
Estávamos sujos, arrebentados, cheios de bolhas, com as unhas dos pés tortas, quebradas. Muitos peregrinos perdem as unhas dos pés, não é raro.
No passado, as pessoas percorriam o caminho como penitência, para serem perdoados de todos os pecados e, me parece, até hoje é assim.
Há este lado de penitência, de esforço, de força de vontade, garra, enfim...
No mais, existe um grande espírito de solidariedade (ainda maior na madrugada em que passei mal) durante todo o Caminho até Santiago. Um costura o pé do outro, empresta pomadas, sabonete, casaco, tudo é de todos.
Conheci muita gente legal, me integrei à natureza, contemplando as árvores, montanhas, conhecendo povoados, falando com nativos que contam os milagres dali, dormindo com todos, vivendo com duas camisetas, sem vaidade alguma, sem máscaras. É uma grande lição.
Todos, nas ruas e estradas, acenam e fazem reverência para nós. Em alguns lugares, as pessoas saem de suas casas com bandejas cheias de frutas, sucos e pães, ao nos avistarem... Outros, nos dão jatos d´água com seus esguichos, tamanho é o calor. Todos nos observam com devoção.
O hospital não me cobrou nada porque eu era peregrina. Nos restaurantes, temos 50% de desconto. É como se fôssemos parentes de Santiago, quase santos.
Povoados e paisagens ficarão registrado em meu coração e, às vezes Tidinha (e isto é o mais incrível), me sinto poderosa!
Composição de um peregrino: Cajado, cantil, pochete, mochila, saco de dormir e um isolante térmico, caso tenha que dormir no chão. |
Dependo de minhas próprias pernas para onde eu quiser ir. Preciso apenas de um chuveiro, uma cama, um pedaço de pão, água e um sorriso.
ARZUA
Estou a dois dias de Santiago de Compostela. Andei pouco hoje, cerca de 15 km, para não forçar muito.
O percurso foi lindo e fácil, em meio a bosques de eucaliptos e esquilos atravessando nosso caminho.
Só este esquisito deste espanhol que me acompanha, me incomoda um pouco. Coitado. Sinto-me mal porque ele está me ajudando e me acompanhando, cheio de cuidados, mas ele é meio chato! É ele ao meu lado, na foto que estou com o curativo. Nos albergues ele me acorda, no meio da noite, para perguntar se eu estou bem!!!????
A turma do Patxi me faz falta. Só dou risada com eles. Estou torcendo para encontrar com eles, pois nesta parte do Caminho os celulares não pegam, além de ter muitos albergues...
Eu já me sinto recuperada, estou contente hoje, mas continuo com certa ansiedade sobre o significado disso tudo.
Em dois dias, minha jornada se acaba, e daí? Tem horas que quero começar a andar para trás, para não chegar a Santiago nunca. O que vai ser de mim quando eu chegar?
Estou bem aqui, estou feliz, não preciso de mais nada. Tenho arrepios quando penso em sair do mato.
Cruz de Ferro - Caminho de Santiago - O costume é o de colocar uma pedra ali para marcar sua passagem. |
Graças a Deus encontramos Patxi e toda a turma, que se hospedaram no mesmo albergue em que estamos.
De qualquer forma, expliquei a eles que eu não conseguiria andar 40 km em um dia, para chegar em Santiago, e que eu dividiria em 2 etapas.
Para que eu não ficasse sem eles, decidiram que Patxi iria comigo carregando minha mochila na frente do corpo e a dele atrás e os outros iriam, à frente, levando os cajados, com um walk talk, para nos monitorar.
Tudo isto para que eu não ficasse para trás, chegando junto com eles, suportando os 40 km, mesmo depois de ter estado hospitalizada.
E assim foi!
Aqui transcrevo mais uma parte do diário de bordo dele:
"...........En la sobremesa, y pegándole al orujo, decidimos que la etapa de mañana no acabará en Arca, sino que llegaremos a Santiago. La brasileña no está recuperada todavía. Eso sí, tiene muchas ganas de entrar en Compostela con todos nosotros. Le hago el siguiente trato: si ella se compromete a completar los kilómetros que restan, yo le llevaré la mochila.
Mañana espera una dura jornada, así que pronto a descansar. Cynthia, que está en la litera de al lado, me cuenta su peripecia en Lugo y algunas cosas más. Como la conversación se prolonga, tengo que cortar. Antes de retirarnos a dormir, tomamos alguna copa. Después del palizón de hoy, más que cansado, estoy agotado. Sólo por ver la cara de alegría de Cynthia al reunirse con todos los colegas ha merecido la pena tanto esfuerzo."
Patxi, com minha mochila em suas costas, a dele na frente e sua conga, pronto para os 40 km finais. |
Durante a caminhada, houve um momento em que eu disse a Patxi que eu não aguentava mais ver o corpo dele todo em chagas, aquela ferida na perna dele, escorrendo sangue e pus, além do mais, ele caminhava e respirava com muito esforço.
Pedi que parasse. Não tinha o menor cabimento carregar a minha mochila. Neste momento, ele me diz: - " Você está me fazendo um favor em deixar que eu carregue o seu fardo"(Te lo pido por favor, dejame!!!!). Tid, ele parecia Jesus Cristo depois de ter sido tirado da cruz!
Santiago de Compostela |
O percurso foi lindo em meio a bosques e o tempo estava divino.
Quando, finalmente, avistamos Santiago de Compostela eu tive a minha resposta e minha mente e meu coração se abriram. Foi um momento muito especial.
Um trailer se passou em minha mente sobre todos os passos que dei durante o Caminho. Eu e Patxi caminhamos, os últimos 10 km, aos prantos. Gente, chorei tudo o que havia para chorar no mundo!
Nos hospedamos no mesmo hotel onde estavam os outros, porque disseram que no albergue de Santiago havia muito ladrões. Apenas tomamos um banho por lá quando chegamos à cidade!
Jantamos todos juntos e dormimos o sono dos justos!!!
No dia seguinte, quando fomos buscar nossa "Compostelana" (o certificado de conclusão do trajeto), o padre pediu-me para fazer uma oração em português, pois havia pedido o mesmo a um peregrino francês, outro alemão, outro inglês, etc, etc. Fiquei emocionada.
Que Gloria Kalil jamais veja esta minha foto com moletom, camisão e chinelos. Mesmo assim, é uma das imagens mais importantes do registro de toda a minha vida.
Eu, ali, com a igreja lotada de peregrinos e de pessoas de todas as partes do mundo, fazendo uma oração que eu mesma criei e no meu idioma, sentindo e vendo aquele bota fumeiro gigante na minha frente, conclui que eu havia conquistado algo em minha vida.
Isto nunca, nada, nem ninguém vai conseguir tirar de mim. Eu confio em mim, sob qualquer circunstância! E sei que sou rodeada de anjos que Deus me enviou! Inclusive um navarro! Sei que tenho sorte.
Eu e o famoso anjo da guarda, Patxi |
Dez anos depois, Patxi me envia o diário de bordo dele! Foi emocionante relembrar nossos passos, através dos olhos dele.
Santiago de Compostela |
Curtindo a conquista! Cenas em Santiago de Compostela:
Leveza na alma! Santiago de Compostela. |
Santiago de Compostela - Peregrinos de todas as partes do mundo! |
Caminho de Santiago |
E olhem só quem eu encontrei em Santiago: Não, ele não desistiu! O espanhol que me socorreu!
Que bom que ele não desistiu! Santiago de Compostela |
Diário de bordo do Patxi, clique no link abaixo e boa viagem :
E aqui vai a minha crônica sobre a experiência:
OS DEUSES E OS DEMÔNIOS DO CAMINHO DE SANTIAGO
Por Cynthia Camargo
Caminho de Santiago |
Magia, esoterismo, ocultismo, fenômenos paranormais, sensações estranhas, vozes do além... Descobri que tudo isto estava dentro de mim.
No primeiro dia de caminhada, depois de nove horas atravessando as montanhas frias dos Pirineus, com fome, sede, frio e exausta, um fenômeno começou a se manifestar: Quando iniciei a minha descida até a cidade de Roscensvalles, já na Espanha, atravessando uma floresta escura, comecei a gritar, chorar, xingar, blasfemar, brigando com a vida, com tudo ao meu redor, odiando cada passo, cada pulsação, respiração, pensamentos, amigos, família e principalmente, eu mesma, por ter me colocado naquela situação.
Eu sentia ódio, com toda a minha força. E assim foi, durante toda a travessia da floresta, até que entrei na cidade. As pessoas que me viam chegando, perguntavam com olhos arregalados: “Você se encontrou com os demônios da floresta?”.
Naquele momento, tudo o que me veio a cabeça foi ironizar respondendo que os demônios deviam ter ficado com medo de mim e não apareceram.
Somente mais tarde, descobri que eles estavam todos dentro de mim e que naquela floresta eu me deparei com eles. Sim, eu me encontrei com os (meus) demônios.
No último dia, estando a quarenta km de Santiago, depois de ter passado dois dias em um hospital e estando ainda um pouco debilitada, um peregrino navarro, amarrou a minha mochila e a dele em seu corpo. Durante a caminhada de quarenta km, meu coração começou a se comover ao ver o rosto cansado e o corpo molhado de suor daquele espanhol, que mantinha um brilho de gratidão nos olhos por estar carregando o meu fardo. E assim, entramos em Santiago. Sim, eu me encontrei com um anjo.
Na missa do Peregrino, na Catedral de Santiago, o Sacerdote me convidou a fazer uma oração com as minhas próprias palavras por eu ser a única brasileira. Dediquei o sucesso de minha jornada a todos aqueles que cruzaram o meu caminho.
Quando voltei ao meu lugar, notei que todos os meus companheiros estavam chorando. Talvez emocionados com o momento, talvez com a minha oração.
De repente, uma onda de amor invadiu todo o meu ser. Eu amava tudo e todos.
Amava cada momento de minha vida, cada respiração, cada lágrima, cada passo que dei, cada dor que senti. Naquele momento eu me encontrei com Deus. Dentro de mim.
A História do Caminho de Santiago
Vamos entrar, rapidamente, na história do Caminho a fim de compreender do que se trata esta jornada. Vamos falar um pouco sobre um homem chamado Tiago em português, Santiago em espanhol, Saint James em Inglês, Saint Jacques em Francês e Santi Jacobi em latim.
Tiago foi um dos doze apóstolos de Jesus, o mais impulsivo deles, com temperamento forte e, apelidado por Jesus, de filho do trovão. Era irmão do outro apóstolo, João Evangelista, filhos do pescador Zebedeu. Tiago, primo de Jesus por parte de mãe, morreu decapitado a mando de Herodes Agripa, no ano de 44 d.c. Tiago é conhecido na Igreja Católica como Tiago O maior, para diferenciar do outro apóstolo, Tiago O menor.
Jesus pediu a seus Apóstolos que percorressem a terra catequizando os povos e fazendo novos discípulos. Tiago desembarcou em Andaluzia, no sul da Espanha, e percorreu toda a Península Ibérica, se estabelecendo na Galícia, norte do país, onde fez discípulos. Quando voltou a Jerusalém, dois deles, Teodoro e Anastácio, o acompanharam. Em Jerusalém, foi preso, condenado e decapitado. Seu corpo foi jogado para fora dos muros da cidade e seus discípulos resolveram trazê-lo de volta para a Galícia, de barco, enterrando o corpo de seu mestre, em terras onde ele pregou.
Oito séculos depois, um ermitão de nome Pelágio, andava pela região quando avistou um fenômeno curioso: uma chuva de estrelas que caíam em um mesmo local. Como presenciou o mesmo fenômeno algumas vezes, decidiu comunicá-lo ao bispo da região, Tedomiro, que mandou que escavassem o local. Ali, no ano de 813, foi encontrado o corpo de Tiago e de seus discípulos Anastácio e Teodoro. O terreno foi batizado com o nome de "campo das estrelas", ou campus stelae, ou seja, compostela e assim nasceu a cidade de Santiago de Compostela, sendo erguida uma igreja no local onde o corpo de Tiago foi descoberto. A Catedral de Santiago foi erguida sobre a primeira igreja construída.
Quando a notícia se espalhou, centenas de milhares de pessoas, vindas de todas as regiões da Europa, seguiam em peregrinação até o local onde foi descoberto o corpo do apóstolo de Jesus.
Algumas histórias são reconhecidas pelo Vaticano como milagres: Uma delas conta que, quando os mouros invadiram a Espanha, Tiago participou da guerra de Clavidjo, ao lado do Rei Ramiro I, no ano de 844. A partir de então, surgiu o segundo apelido de Tiago (o primeiro era filho do trovão), Tiago Matamoros, e sua terceira imagem cultuada. A primeira é como apóstolo nas igrejas, a segunda como peregrino, com o seu cajado e a terceira é como guerreiro, em cima de um cavalo e com uma espada, enfrentando os mouros e defendendo a Espanha. A partir disto, São Tiago passa a ser o padroeiro da Espanha.
A peregrinação começou, a partir desta época, a crescer consideravelmente e, por causa disto, igrejas, templos e castelos começaram a ser erguidos ao longo do caminho, ou melhor, dos caminhos. O mais conhecido é o caminho real Francês, que se inicia na França, nos Pirineus, e corta todo o norte da Espanha. Todos os caminhos se unem na cidade Puente de la Reina, tornando-se um só.
O dia de Santiago é comemorado no dia 25 de julho e todas as vezes que esta data cai em um domingo, o ano é considerado, pelo Vaticano, como Ano Santo. Todo aquele que peregrinar até Santiago, em anos Santos, será perdoado de todos os pecados. É o ano Jacobeo.
O corpo encontrado foi enviado a religiosos, cientistas e médicos e o Vaticano o reconheceu como pertencente ao apóstolo, apenas em 1979, através do Papa León VIII.
Algumas celebridades de nossa história percorreram o caminho, como São Francisco de Assis e Marco Polo.
O símbolo do peregrino é uma vieira , em homenagem a viagem de Teodoro e Anastácio, pelo mar, trazendo o corpo de Tiago de volta a Galícia e porque a vieira protege o tesouro, que é a nossa alma.
Durante todo o Caminho Real Francês, podemos avistar, durante à noite, a Via Láctea, por isto o Caminho é conhecido também com este nome.
A peregrinação é reconhecida pela igreja se feita a pé, a cavalo ou de bicicleta percorrendo, no mínimo, 150 km seguidos, atestando os passos em seu passaporte de peregrino. Em cada cidade do percurso, você tem o direito a um carimbo.
O brasileiro é a terceira nacionalidade que mais percorre o Caminho de forma tradicional, a pé.
A caminhada, de 800km, pode ser completada em um mês com uma média de de 25 a 30 km por dia, passando por 40 cidades, povoados e aldeias. Em Santiago, recebemos o certificado de peregrino em latim, conhecido como Compostelana, e é realizada uma missa de benção aos peregrinos.
O ritual do incensário gigante é realizado aos domingos e é uma tradição desde a época medieval, quando os peregrinos não tomavam banho e chegavam cheirando muito mal na igreja.
Durante tantos séculos de peregrinação, o Caminho de Santiago, que já era rico em termos arquitetônicos, tendo sido povoado pelos Celtas, tornou-se ainda mais importante em história e arquitetura medieval, construções dos templários (ordem mística), igrejas, catedrais, mosteiros, conventos, castelos, pequenos povoados e cidades fantasma. Completando a paisagem, a natureza se apresenta com grandes contrastes nas regiões de Navarra, Castilha e Galícia, por causa das diferentes temperaturas de cada região, desde campos de girassóis até o cerrado. Passando por vinhedos, campos de trigo, e por animais soltos, como carneiros, porcos, bois, cavalos selvagens.
O que tem de interessante? Qual a vantagem de cultivar bolhas nos pés e tendinites? Qual a graça de andar sujo, molambento, carregando um saco nas costas? O que há de bom em dormir no chão de albergues com mais cinquenta pessoas, partilhar os varais, os tanques, os chuveiros? Qual o sentido de largar tudo durante um mês e sofrer física e mentalmente?
Milhares de pessoas deixaram o seu suor pelo mesmo Caminho, suas lágrimas, esperanças, desespero, e você vai tocar em pedras que testemunharam isto, você será obrigado a sentir dor, prazer, alegria, tristeza, depressão, amor, ódio, raiva, ressentimento, paz, confusão, medo, desespero, todas as suas emoções vão entrar em ebulição, você vai se deparar com diferentes construções dos templários, romanos, mouros, celtas, vai ouvir lendas, milagres, testemunhos, atos de fé, morte e renascimento.
Vai provar novos pratos, ou vai ficar sem comer, vai ouvir novos sons, estar em união com pessoas do mundo inteiro, tão diferentes e tão iguais a você, vai estar em contato direto com a natureza e, querendo ou não, vai começar a se desprender do material, de suas posses, começando a sentir que você é escravo das coisas e que, na verdade, você não precisa delas para viver e, finalmente, você vai estar totalmente desmascarado, enxergando o seu lado feio e bonito e, mesmo não querendo, o autoconhecimento é uma experiência que dói.
A resposta final:
Para que passar por tudo isso? Talvez para nos tornarmos mais humanos.
A Fé sem obras é morta! Epístola de Tiago |