quinta-feira, 23 de julho de 2015

Paris por Victor Hugo!

"É mais fácil impedir uma invasão de bandidos que a invasão das modas, hábitos, elegâncias, ironias, entusiasmos de Paris" - Victor Hugo

Quando escrevi o guia de Paris fui até a Biblioteca Nacional fazer uma pesquisa e me lembro, com emoção, quando eu coloquei luvas, em uma sala especial, para poder folhear "Notre Dame de Paris", de Victor Hugo (1802-1885).

Foi uma honra, além de encontrado, em alguns trechos, traços de um "quase" guia de Paris, decidindo dedicar uma página de meu livro à dicas de viagem do grande pensador!

Reescrevendo o livro, dezoito anos depois, encontrei, em minhas pesquisas cibernéticas, um texto encomendado a Victor Hugo, para a Exposição Universal, em 1867. Ele vivia exilado na Espanha, durante o segundo império na França, quando escreveu esta espécie de manifesto que encontrei em castelhano. Castelhano arcaico, devo dizer. Consegui, porém, encontrar ainda mais essência da alma de Paris, através das linhas que percorri.

Evidentemente, quis mais do mesmo!

A seguir transcrevo alguns trechos do que Victor Hugo pensava/sentia por Paris, além de um tour pelos locais que ele indica em linguagem arrojada e sofisticada e estilo poético, que, com certeza, alimenta a alma do viajante que confere, revisita, observa, deslumbra e desfruta de uma Paris que merece ser descrita por um homem com o porte de alguém capaz de redigir Os Miseráveis.

Elogio de Paris - Victor Hugo, 1887



(...)

"Paris tem algo de poço perdido.

Sua história, microcosmos da história universal, espanta, por momentos, um bom observador.
Sua história é, mais do que nenhuma outra, espécime e mostra. Um feito local tem ali um significado universal.

Contém tudo o que se encontra em outras partes. Resume e recalca. Nela tudo se reflete e tudo se projeta. Tudo se abrevia e exagera ao mesmo tempo. Não há um local mais desgarrador.




Em todas as partes há contrastes ou paralelismos.

Roma tem mais majestade, Veneza mais beleza, Nápoles mais graça, Londres mais riqueza. E o que tem Paris? A revolução.
Paris é a cidade pivô sobre o que, algum dia, a história girou.
Palermo tem o Etna, Paris o pensamento.
Constantinopla está mais perto do sol, Paris mais perto da civilização.
Atenas edificou o Partenon, mas Paris colocou abaixo a Bastilha.

Há um consentimento universal em torno de Paris, entre os homens, em todas as raças, em todas as colonizações, em todos os laboratórios de pensamento, da ciência e da indústria, em todas as capitais, em todas as aldeias.
Paris reflete a multidão a si mesma.
É a nebulosidade que ao condensar-se, se faz estrela.
Paris é o condensador.

A função de Paris é dispersar ideias. Sacudir sobre o mundo um inesgotável punhado
de verdades; este é o seu dever, e o cumpre.

Paris é um semeador. Semeia faíscas. Onde haja fogo aqui e acolá, nas inteligências dispersas sobre a Terra que estão piscando, é coisa de Paris.

Paris tem sobre a Terra a influência de um centro nervoso.
O que contempla e coroa Paris é a literatura.

A luz da razão é, necessariamente, a luz da arte. Paris ilumina nos dois sentidos: por um lado, a vida real, por outro a vida ideal. Porque a cidade vive presenteada com a beleza? Porque está presenteada com o verdadeiro.

É em Paris onde está a bigorna da fama. Paris é o ponto de partida dos êxitos. Quem não tiver bailado, cantado, predicado, falado em Paris, não terá bailado, cantado, predicado e falado. Paris dá a mão e logo a retira
..........

É mais fácil impedir uma invasão de bandidos que a invasão das modas, hábitos, elegâncias, ironias, entusiasmos de Paris. Tudo entra em todas as partes e opera, irresistivelmente,. Todas estas coisas, que caracterizam Paris, são roedores invisíveis.

Um tremendo formigueiro de ideias parisienses, como a traça, esvazia o interior dos poderes aparentes, introduz o desconhecido, e os deixa em pé até que se convertam em pó.

Há que amá-la, querê-la, sofrê-la. Esta cidade frívola, ligeira, cantante, dançante, maquiada, florida, temível que, como dissemos, entrega o poder de quem a toma. (...)


Notre Dame de Paris - Victor Hugo, 1831 

Paris não foi somente uma bela cidade; foi uma cidade homogênea, um produto arquitetural e histórico da Idade Média, uma crônica de pedra; Foi uma cidade formada apenas por duas camadas, a camada romana e a gótica, pois a romana desapareceu há muito tempo, exceto pelas termas de Julien, onde ela aparece ainda foi como uma crosta da Idade Média. Quanto à camada celta, não encontramos nem ao menos uma amostra.

Cinquenta anos mais tarde, a Renascença veio misturar-se a severa e variada aparência com o luxo do brilho de suas fantasias e sistemas. Paris foi, talvez, mais bonita, embora menos harmoniosa para os olhos e para a mente. Mas este momento esplêndido durou pouco. A Renascença não era imparcial; Ela não estava disposta a construir, ela queria pôr abaixo.

Quando se sabe ver, enxergamos o espírito de um século e a fisionomia de um rei até mesmo numa maçaneta.

Catarina de Médicis, com o Tuileries*:
Henrique II, com o Hotel de Ville**;
Paris de Henrique IV com a Place Royale*** (atual Place de Vosges);
Paris de Luis XIII, com o Val-de-Grâce****;
Paris de Luis XIV, com o Invalides*****;
Paris de Luis XVI com Saint Sulpice******;
Luis XV com o Panthéon*******;
Paris da República com a Escola de Medicina********;
Paris de Napoleão com a Place Vendôme*********;
Paris da restauração com La Bourse**********.

A cada um destes monumentos característicos, há uma semelhança de gosto, modo e atitude, onde o olhar do conhecedor é capaz, facilmente, de distinguir as datas.

Por conseguinte, a atual Paris não tem uma fisionomia geral. É uma coleção de amostras de vários séculos onde as mais bonitas desapareceram.

Parece-me que Paris será renovada a cada cinquenta anos. Nossos pais tinham uma Paris de pedra, nossos filhos, de gesso.

(...)

Victor Hugo morreu em em 1885 e deixou o seguinte testamento:
"Eu dou cinquenta mil francos aos pobres. Desejo ser carregado ao cemitério em um de seus carros funerários. Recuso as orações de todas as igrejas. Peço pelas preces de todas as almas vivas. Eu acredito em Deus".
Seu corpo foi velado por 24 horas no topo do Arco do Triunfo e seu cortejo foi acompanhado por mais de 3 milhões de pessoas.

Além dos monumentos que Victor Hugo cita, gostaria de incluir a visita à sua casa: 6, Place de Vosges.


Notas: 
* Tuileries
Jardim de Catarina de Médicis, foi projetado por André Le Nôtre, paisagista mais famoso da França.
Começa no Louvre e termina na Place de la Concorde. O Palácio não existe mais


**Hotel de Ville
Sede da prefeitura de Paris, verdadeiro espetáculo para os olhos.
Construído em 1871, em estilo neo-renascentista, sua fachada contém estátuas em homenagem a artistas, políticos, cientistas e filósofos. Voltaire é um deles.
Cynthia Camargo - Hôtel de Ville


***Place des Vosges
Antiga Place Royale foi a primeira praça urbana da França, construída no reinado de Henrique IV, em 1612.

Considerada uma das mais belas do mundo, tem a forma de um quadrado e conta com 36 casas idênticas, divididas igualmente entre os lados do quadrado.

Além de restaurantes, lá se encontra a casa de Victor Hugo, aberta ao público.


****Invalides
O Hôtel des Invalides construído entre 1671-1676, recebeu este nome porque foi concebido para abrigar soldados feridos quando a serviço do rei. Hoje é um Museu da Armada Francesa.

Abaixo da cúpula (estilo Luis XIV) está o mausoléu de Napoleão Bonaparte. É possível avistar está cúpula, em ouro, de qualquer lugar da cidade.


*****Val-de-Grâce
Considerada por muitos como um dos maiores exemplos de arquitetura barroca. Fundada em 1621, a então rainha regente Ana da Áustria, viúva de Louis XIII e mãe de Louis XIV ordena que a igreja seja toda reformulada em homenagem dela a Nossa Senhora. A reconstrução vai de 1645 até 1667. A cúpula de Val-de-Grâce é um dos cartões postais de Paris.

****** Igreja de Saint Sulpice
Ficou em evidência depois do filme "O Código da Vinci ", de Dan Brown. Construída entre 1646 e 1870 possui duas particularidades interessantes:

O seu gnômon - Uma coluna que marca a hora do dia ao projetar sua sombra; um sistema desenvolvido para determinar os equinócios;
Meridiano de Paris utilizado como ponto de origem para calcular a longitude até 1884, quando foi substituído pelo Meridiano de Greenwich.

******Panthéon
Construído sob o reinado de Luis XV, no século XVIII, para ser uma igreja, mas que, por fim, tornou-se, em 1885, o mausoléu de grandes homens como Voltaire e Victor Hugo.

A construção tem em sua composição inúmeros estilos arquitetônicos que contam a sua história e mudanças de sua finalidade ao longo do tempo.
Lá também se encontra o pêndulo de Foucault, conhecido como instrumento que prova que a Terra gira.
http://www.monuments-nationaux.fr/



*******Place Vendôme
A praça mais chique do mundo tema forma de um polígono. Construída em 1686 sob o reinado de Luis XIV para alojar a estátua do soberano sobre um cavalo.

Em 1815 a escultura deu lugar a outra, do imperador Napoleão Bonaparte sob um pilar romano. Este pilar foi feito com o derretimento do bronze de 1.500 canhões usados na batalha de Austerlitz.

********* Escola de Medicina




**********La Bourse
Em Paris, hoje em dia não há um espaço físico para a bolsa de valores. A que Victor Hugo que se refere pode ser a última sede da bolsa, o Palais Brongniart, construído em 1807 em estilo corinto.

Fica aqui uma sugestão de roteiro de Victor Hugo para descobrir as mil e uma faces da cidade de mil anos!

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